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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Romantismo

Você vai ler os três primeiros parágrafos de " A morte amorosa", famoso conto fantástico de  Théophile Gautier. Nele é relatada a tentação sofrida por Romuald, um sacerdote recém-ordenado, quando encontra a misteriosa Clarimond.



Você me pergunta, irmão, se amei; respondo que sim. É uma história singular e terrível, e, embora tenha sessenta e seis anos, mal ouso tocar nas cinzas dessa lembrança. Não quero lhe negar nada, mas não contaria tal história a alguém menos experiente. São acontecimentos tão estranhos que custo a acreditar que tenham ocorrido. Durante mais de três anos fui vítima de uma ilusão singular e diabólica. Eu, pobre pároco de aldeia, vivi em sonhos (Deus queira que tenha sido um sonho!), durante todas as noites, uma vida de danado, uma vida de mundano, de Saradanapalo. Um único olhar demasiado complacente lançado sobre uma mulher quase me custou a perda da minha alma; mas, finalmente, com a ajuda de Deus e do meu santo padroeiro, consegui expulsar o espírito maligno que havia se apossado de mim. Minha vida confundira-se com uma existência noturna completamente diferente. De dia, eu era um sacerdote do Senhor, casto, ocupado com a oração e com as coisas santas; à noite, mal fechava os olhos, transformava-me num jovem senhor, grande conhecedor de mulheres, vinhos, cães e cavalos, que jogava dados e blasfemava; e quando me acordava, ao nascer do sol, parecia ao contrário que adormecia, e que sonhava ser padre.

Dessa vida sonâmbula restou-me a lembrança de objetos e palavras contra as quais não posso me defender, e, apesar de jamais ter transposto as paredes do meu presbitério, quem me ouvisse, diria que sou um homem que experimentou de tudo e que, voltando do mundo, tomou o hábito para terminar uma existência demasiado agitada no seio de Deus, e não um humilde seminarista que envelheceu numa paróquia ignorada, escondida no fundo de um bosque, sem nenhum contato com as coisas do mundo.

Sim, amei como ninguém amou neste mundo, com um amor insensato e furioso, tão violento que me espantei que o meu coração não tenha explodido. Ah! Que noites! Que noites!

Trabalhando o texto:

1. A partir do Romantismo, o livro passou a ser uma mercadoria. Leia novamente o primeiro período do conto e responda que estratégia usou Gautier para cativar seus leitores?


2. O narrador explica que durante três anos viveu uma experiência muito estranha. O que lhe acontecia? Explique a expressão “joguete de uma ilusão singular e diabólica”.

3. A opção de fugir do racional faz do Romantismo uma arte de extremos, por vezes maniqueísta, já que apresenta poderes opostos e incompatíveis. Como isso aparece em “A morta amorosa”.

4. O amor por Clarimonde é responsável pela alma torturada de Romuald. Localize, no primeiro parágrafo, passagens que explicitam a natureza da primeira reação a Clarimonde e no último, as que revelam a proporção alcançada pelo sentimento.

Respostas:
 
1. O autor inicia a narrativa dirigindo-se a um leitor imaginário, como se respondesse a uma questão. Além de abrir contato com o leitor ,essa estratégia atribui veracidade a uma história de teor fantástico.

2. Romuald sentia-se como um brinquedo conduzido por alguém que se divertia. Durante o dia vivia como padre, à noite, era um jovem nobre e mundano. Romuald chegou a se questionar sobre qual seria a sua existência real.


3. Contrapõem-se dois mundos: de um lado, a existência religiosa. De outro, um mundo demoníaco, repleto de atrações mundanas. Os dois mundos fundem-se na alma aflita de Romuald.
4. No primeiro, a reação de Romuald a Clarimonde, descrita como "um só olhar cheio de condescendência”, revela tolerância, revestida de pudor; no último , “amei como ninguém no mundo amou”, “amor insensato e furioso”, “violento”, “coração explodir”, mostram a intensidade e a inevitabilidade do amor.

 
Percebemos que no texto romântico, há a criação de um mundo irreal, em que não há freios para imaginação. Essa é uma das formas da evasão romântica e responde ao intuito de rechaçar a civilização burguesa e seu racionalismo.
fonte: A estética romântica: textos doutrinários comentados
Alvaro Cardoso Gomes / CARLOS ALBERTO VECHI Editora: EDITORA ATLAS






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