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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Enredo,tempo e espaço

Mário Lago     Tirei daqui 


                                                                                     
        Lu foi comprar o queijo que Dalmo queria para o lanche. Na rua, encontrou Miro, que namorava quando tinha 15 anos e era virgem. Foram andando na companhia das lembranças. As novenas… o cinema nas matinês de domingo… os bailes no clube dos Marujos, os dois dançando sempre ao fundo do salão porque, se o pai dela visse o agarramento, era escândalo na certa e o soco do velho Justa doía mais que coice de mula… o mato escuro no fim da rua…
- Eu moro aqui. Quer entrar?
Miro foi o primeiro homem de sua vida e, na época, ela ficou sem saber direito o que isso é. O rapaz tinha 17 anos e também era virgem.
- Quer entrar?
Lu cedeu à curiosidade, entrou e conheceu delícias. Naquela noite, Miro ia a São Paulo, ela foi junto. De lá, seguiram para a Europa, Lisboa, Madri, Paris, Roma, Berlim, Londres… Céus de diversos tons de azul, colchões e rostos diferentes… Um dia ela pensou no que fizera a Dalmo: nem sequer um telefonema de adeus. Ele não merecia. Tão amoroso, gentil. Estavam em Stutgart, Miro dormia o sono solto. Correu para o aeroporto. Era o fim de tarde quando Lu entrou em casa e, antes que Dalmo quisesse saber a razão daquela ausência de dois anos e meio, ela mostrou o embrulho e falou como se tivesse saído ainda há pouco.
- O queijo que você quer para o lanche.
(Mário Lago, 16 linhas cravadas.
São Paulo: Publisher Brasil, 1988. p. 41.)



Analisando o enredo, o tempo e o espaço 

Os elementos básicos de uma narrativa são a personagem, o espaço e o tempo, organizados no enredo por um narrador. o espaço em que as ações acontecem está intimamente ligado ao tempo em que ocorrem , da mesma maneira que ambos estão ligados à caracterização das personagens . É nessa articulação - chamada - enredo- que se instaura um movimento que faz o leitor envolver-se no que é narrado.

Pode-se dizer que o enredo é o conjunto dos fatos de uma história. Nele estão envolvidas a apresentação das personagens e das situações, além das sucessivas transformações pelas quais elas vão passando ao longo do tempo transcorrido.

Uma narrativa traz cinco pilares de sustentação.

O enredo (como?)
        Trata-se, aqui, da ação da narrativa, da sucessão de fatos, vivências, situações. É também chamado de intriga, fabulação, trama etc. Nele as personagens se põem em movimento, mantendo uma com as outras, como na vida, relações que podem ser de colaboração, de afinidade, de oposição, de competição, etc.

As personagens (quem?)
        Entre as personagens há aquelas que se destacam porque agem mais: são as protagonistas, também chamadas de heróis ou personagens principais. As que se relacionam com elas por oposição são as antagonistas, que geralmente aparecem também em primeiro plano. Em volta dessas, há sempre um conjunto de personagens secundárias, que ajudam a sustentar a trama.
    
O tempo (quando)
          As personagens vivem e agem num dado espaço, durante certo tempo. Esse tempo pode ser cronológico ou psicológico. O tempo cronológico é o da natureza, aquele marcado pelo relógio, relacionado com o passar das horas e dos minutos - fundamental nas narrativas históricas.  O tempo psicológico é o tempo da duração interior dos fatos, variável de indivíduo para indivíduo e composto de momentos imprecisos, que se fundem ou se aproximam. Nele podem misturar- se passado, presente e futuro, ao sabor dos sentimentos das lembranças.

O espaço (onde?)
         A ambientação, o conjunto de elementos que copõem, por exemplo, o quarto, a sal, a rua, o bar, a montanha, a floresta, a escola, a cidade, o sertão etc., constitui o espaço narrativo. Ou seja, o lugar onde se movem as personagens. Existe também o espaço psicológico, que é o espaço interior, o universo da nossa vivência subjetiva, pessoal, cheio de sonhos e desejos que predominam nas narrativas intimistas.

O conflito     
No desenrolar do enredo tem papel fundamental o conflito, isto é, o elemento de tensão em torno do qual são organizados os fatos e seu desenvolvimento. Por ser o elemento que mais prende a atenção do leitor, o conflito, de maneira geral, determina as parte do enredo:

*introdução (ou apresentação): é o começo da história, a parte na qual se apresenta os fatos iniciais, as personagens e, às vezes, o tempo e o espaço. Perceba que no texto O queijo, de Mário Lago, a introdução é o primeiro parágrafo onde se dá a apresentação das três personagens e alguns acontecimentos.

*complicação (ou desenvolvimento): é a parte em que o conflito se desenvolve, complicando-se (pode haver mais de um conflito na história). No texto O queijo, de Mário Lago, vai de “- Eu moro aqui. Quer entrar?” a “ Estavam em Stutgart, Miro dormia o sono solto.”. ( o enredo se complica com o convite de Miro, pois a partir daí, Lu se envolve com ele e passa a acompanhá-lo em suas viagens, até que um dia, lembra-se de Dalmo.

*clímax: é o ponto culminante da história, o de maior tensão, o momento em que o conflito atinge seu ponto máximo. No texto O queijo, de Mário Lago, “Correu para o aeroporto” é uma frase que  sintetiza grande tensão, gerando ansiedade no leitor, pois significa duas coisas: Lu abandonou Miro e decidiu voltar para Dalmo.

 *conclusão (ou desfecho): é a solução final do conflito, que pode ser feliz, trágica, inesperada, cômica, surpreendente, etc. ). No texto O queijo, de Mário Lago, Vai de “ Era um fim de tarde” ate o final surpreendente expresso na frase “_ O queijo que você quer para o lanche”.

O enredo pode ser desenvolver de modo linear, isto é, numa sucessão contínua de fatos, que vêm um após o outro, num encadeamento lógico de causa e consequência. E pode também desenvolver-se de modo não linear, ou seja, de maneira que os fatos não são apresentados em sequência; eles evoluem aos saltos, como omissões, interrupções e cortes. No texto O queijo, de Mário Lago, embora predomine o tempo cronológico, pois o narrador registra fatos acontecidos no período de dois anos e meio, há, no encontro de Lu e seu ex-namorado, um afastamento do tempo presente quando os dois voltam ao passado (tempo psicológico).

Um texto narrativo não é,  portanto, um mero relatar de acontecimentos, mas o resultado de um trabalho de organização e recriação de um mundo particular, no interior do qual tudo deve fazer sentido.


Fonte: FERREIRA, Marina. Redação: palavra e arte: ensino médio – 2. Ed. São Paulo: Atual, 2010

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